Fazenda pressiona Transportes por acordo com Vale para garantir R$ 10 bi de ferrovias e fechar contas
Ministro Renan Filho pediu que Haddad entrasse em campo para fechar negociação com a mineradora
Porto Velho, RO - O Ministério da Fazenda cobrou do ministro dos Transportes, Renan Filho, a entrega até o final do ano de R$ 10 bilhões de receitas com a revisão de contratos de concessões de ferrovias.
Os recursos são chave para ajudar no cumprimento da meta fiscal de déficit zero e para evitar um novo congelamento até o final do ano nos moldes dos R$ 15 bilhões anunciados no mês passado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O tema foi discutido há alguns dias pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em encontro com Renan e o secretário-executivo dos Transportes, George Santoro.
No encontro, Renan pediu que o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, entrasse em campo com o seu peso político para o fechamento de um acordo com a mineradora Vale que possibilite o pagamento à vista até o final do ano da revisão de contratos com a companhia.
Em troca, a negociação pode incluir mudanças regulatórias, como regras de saturação da malha ferroviária, para que a empresa pague uma parcela maior à vista.
Haddad disse a interlocutores ouvidos pela Folha que ele colocou o ministério à disposição de todos os atores envolvidos para conseguir destravar o acordo entre a Vale e o Ministério dos Transportes.
A revisão da concessão é referente a uma cobrança total de R$ 27,5 bilhões que o Ministério dos Transportes fez à mineradora em relação a outorgas não pagas na renovação antecipada dos contratos das EFC (Estrada de Ferro Carajás) e da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Pessoas a par das tratativas dizem que as negociações avançaram. O próprio ministro Renan Filho afirmou publicamente, em junho, que as conversas com a Vale estão maduras.
O acordo com a Vale pode resultar num valor menor, de cerca de R$ 20 bilhões, mas uma parte deve ser em investimentos que a empresa se compromete a fazer nas ferrovias.
Descontada essa parcela, há uma expectativa de que entre R$ 16 bilhões e R$ 17 bilhões fiquem com o caixa do governo, ainda sem uma data definida para pagamento.
A Fazenda e os Transportes querem acelerar o processo para que a Vale pague o maior valor possível até o final deste ano, com o objetivo de reforçar o caixa do governo.
A meta é usar os esperados aportes da Vale e outras negociações menores para conseguir pelo menos R$ 10 bilhões em 2024 —expectativa que está prevista no Orçamento.
Procurada pela Folha, a Vale informou que segue em discussões com o Ministério dos Transportes sobre as condições gerais para otimizar os planos de investimentos nos contratos da EFC e EFVM. Segundo a companhia, os contratos hoje são regularmente executados nos termos estabelecidos e divulgados ao mercado em 16 de dezembro de 2020.
"A Vale manterá o mercado atualizado sobre qualquer compromisso relevante assumido no âmbito das negociações, em linha com a legislação aplicável", disse a empresa.
Procurado, o Ministério da Fazenda não respondeu.
A entrada dos recursos da Vale depende de homologação do acordo pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
Outros dois acordos de revisão de concessão de ferrovias já foram fechados, nos valores de R$ 1,5 bilhão, referente ao contrato da Malha Paulista da Rumo, braço de logística do grupo Cosan, do empresário Rubens Ometto; e de R$ 2,6 bilhões, do contrato da Malha Sudeste com a MRS.
A revisão contratual do governo com as empresas tem ocorrido no âmbito da Secex Consenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos), área criada pelo TCU para mediar discussões entre setores público e privado. A meta é evitar a judicialização de divergências.
A negociação com a Rumo foi a primeira do gênero para o setor de ferrovias. As discussões contaram com a participação da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).
O relatório de avaliação de receitas e despesas do Orçamento do terceiro bimestre, que apontou a necessidade de um congelamento de R$ 15 bilhões, manteve a previsão de R$ 10 bilhões de receitas com essas negociações. Isso explica a preocupação do Ministério da Fazenda com as condições das negociações.
Os analistas em contas públicas consideram a previsão de R$ 10 bilhões com as ferrovias um dos pontos mais frágeis das estimativas de receitas do último relatório.
Se não houver evolução no acordo com a Vale até 22 de setembro, data do próximo relatório, os ministérios do Planejamento e da Fazenda terão de diminuir a previsão de receitas com as ferrovias.
Nesse caso, aumentam as chances de um novo congelamento de despesas em valor elevado daqui a dois meses, para o cumprimento da meta.
A Rumo pagou na semana passada uma parcela de R$ 170 milhões. Já o acordo com MRS depende de homologação do TCU. A previsão é de entrada de R$ 800 milhões neste ano.
Fonte: Folha de São Paulo